Querido tempo, sei que não o tenho, mas disse-me uma vez os ponteiros que você é passageiro e se irá como o vento, mas não sabia que iria sem avisar. Fiz-me escárnio por anos, e enquanto passava ia me degradando, mas agora aqui, respirando devagar, vi que não sou nada a não ser um barco furado que está prestes a naufragar. Esses dias refleti, e não me reconheci, o interno transbordou a luz do dia e o amanhecer esqueceu de esconder o que vinha a porvir, uma lástima, dizem, foi o que me aconteceu, você levou o sopro que me nasceu, e cantou para a escuridão que me cobriu. O tempo não é cuidadoso, eu aprendi vivendo, ele leva o que puder, quando pode e quando quer, e neste canto desafinado vi-me só, na beira do precipício, e percebi que mesmo na beira já havia escolhido meu destino, não havia volta, era este o fim do caminho.
Meus olhos se encheram, como enchente transbordou, notei que minhas escolhas não se apagam, e que o tempo passou, cheguei ao fim da estação, meu trilho despencou, nada tenho, pois nada me sobrou, nada quero, pois ninguém mais sou, quanto tempo tenho já não me é mais uma dúvida, visto que o tempo já não me restou, esta é a história que meu pincel contornou. Sede, pensei, sinto sede, ao lado uma cisterna seca, sede, mas já não há água, dissipei como fumaça, envelheci como os vestidos e as traças banquetearam de minha carne. Não sou ninguém hoje, mas também nunca me fiz alguém, vivi nos braços da morte e colori meus dias com a cor do pecado, oh! Deus, acredito que nem Seu nome posso clamar, hoje arco com as consequências de um dia calado que achei que nunca havia de chegar.
Por Luiza Campos