A ilusão não conforta

Meus pés doíam, feridos pela pressão do tempo, carmesim existia vivo, no assoalho, no teto, nos corredores, nos trilhos. Não havia mais onde agarrar-me, machucados por onde quer que olhasse, da pequena fresta, às vezes, era me presenteado a luz, mas sua miudeza era tanta que não confortava meu coração, e cansada fechei os olhos, proclamei canção de ninar, entrei em meu opróbrio e escolhi ficar. Agora, com as janelas trancadas, o tempo quieto e meu coração imaginário, o céu era azul, o solo era verde, havia luz, no infinito uma constelação, girassóis dançavam com seu dono, a brisa era serena e o tempo era ameno, consegui respirar, por um pequeno curto espaço, consegui expirar, encontrar meu frágil compasso, e por um momento tudo parecia certo, mas certo mesmo era que tudo o que parecia belo era falso, um conto, uma fábula, um sonho. Ao respirar novamente, senti-me impotente, o que cheirava a flores amargou em ferrugem, o quadro tão belo e casto, degradou-se como o campo no outono, os confins de minh’alma se estreitaram, e o que parecia pequeno conseguiu ficar mais apertado, aonde fui parar? Percebi que a ilusão não conforta, e este sonho insiste em viver, a realidade é vazia, com a chave no bolso, mas a coragem abatida, uma guerra entregue, um covarde no trono, uma mente herege, um reino sem dono. Glândulas secas, assemelhava-se ao deserto, não havia mais dor que se externasse ou fel que escorresse, meu peito já doído de tanto apanhar, voltou ao coma originário, é preciso uma pausa para recomeçar, mais um sonho longínquo, sua aparência é algo singelo, mas é uma lembrança que não poderei tocar, a ilusão não conforta, pois me lembra qual é o meu lugar, borboleta com as asas quebradas que nunca poderá voar.

 

Por Luiza Campos

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