A queda dos reinos

Todos os dias os reinos se juntavam, assistiam às almas perderem as asas, enquanto caíam do abismo até se estatelarem no chão. Mais uma vez a história se repetiu, mas dessa vez um dos espectadores sentiu a dor do precipício. Todos se reuniram para assistir mais uma queda. As apostas começaram. Os sorrisos se expandiam. Sentados, viam ao longe o abismo se abrir. As almas, pobres almas, caíam e caíam, sem chão, sem fim. Dessa vez algo estava diferente, quando uma alma, que parecia estar na segurança de seu assento, se sentiu na beira do penhasco, pois viu os cabelos daquela que ruía embaraçarem e sentiu os seus também se embaraçarem. Quando notou o desespero se desenhar sobre a tez, e sentiu a própria face enrugar. Quando observou as lágrimas descerem em cascata, tocou seu rosto, e os dedos molhados entregaram seu choro silencioso. Quando reparou que o corpo desmoronava e estendia a mão para o céu, também olhou para cima e sentiu como se a súplica fosse sua. No momento em que viu o medo nos olhos de quem caía, sentiu-se igualmente assombrada. Mas negou. Negou com a alma e o coração. Negou a si mesma, enquanto via outro corpo caindo rumo à escuridão. Dizia: “É apenas mais um. Só mais um, e mais outro”. Notava que todos desdenhavam das mortes iminentes. Eram apenas reinados caídos, sentados em tronos fragmentados. Ainda assim, escancaravam nos olhos o desprezo pela vida e se encantavam com riquezas vazias. Para se encaixar, também cantou com a sorte. Não percebeu que era quem sorria para a morte. Caía e caía, observando seu corpo na inércia do desespero, abraçada pela dor da perda, pelo adeus. Adeus aos vivos. Adeus a Deus, aquele a quem nunca havia visto ou sentido. Sentia muito, por si, e por não ter saído do ciclo. Quando percebeu que era o corpo perdido, já era tarde para impedir que cortassem suas asas. Agora, teria de aceitar as trevas desta fenda infinita e cair. Cair, sem esperança ou chance de voltar ao topo. No fim, todos estão sentados, desdenhando do que virá para devorá-los. A morte toma suas liberdades e rouba a chave de suas celas. Apenas esperam, rindo enquanto podem. Um dia também despencarão, pois os reinos caem, e não há soberano que permaneça em pé sem a vida.

 

Por Luiza